Para o dia nascer feliz
Escrita em junho/2007
São 8:48 de uma manhã de segunda-feira. Sento-me aqui sem muito tempo, após voltar da rua, para escrever algo antes de sair para mais um dia.
Acordei as 06:30. Dia difícil que desponta pela frente. Faço uma transferência. Terei que correr, negociar, e sabe lá Deus o que mais hoje. Volto a me deitar. Levanto em seguida. Tenho que fazer uma ligação. Aviso minha irmã que irei para o Estande. Sei que ela não entende. Irmãs muitas vezes não entendem. Não percebem. Não captam. Tento ser pacífica. Desligo. As vezes dá vontade de dizer um monte. Deixa pra lá. Vou até a loja e descarrego material. Volto até em casa. Encontro Michelli inquieta. Quer rua. Quer passear. Quer farejar. Quer ver outros cachorros. Colo sua coleira, acendo um cigarro e vou pra rua. Sim, um cigarro. As vezes ainda faço isso. Saio para a luz fraca da manhã. Roupas largas e tamanco. Passa um cara numa Strada. Já tive uma. Ele olha. Vira a cabeça e fica olhando. Não sei se para mim ou para a cachorra. Acho que para a cachorra. Só rindo. Desço a rua quase correndo atrás da afoita Michelli que parece ver o mundo pela primeira vez.
Na esquina aparece um vira lata. De coleira, bonitinho, todo branquinho. Completo contraste com a negra Michelli. Quer namorar. Ela também. Bato o pé para ele. Ele se afasta e volta. E assim continua por todo o quarteirão. Vejo que ele perde o medo. Encontro uma vareta e esta é minha defesa e de minha “pobre” cachorrinha que vai farejando e marcando seu caminho. E lá vem o vira-lata. Aponto-lhe a vareta, ele corre, volta, corre, volta e assim vamos, nós três, pela manhã levemente ensolarada, pelas calçadas de Santo André.
Vejo que o cãozinho não mais tem medo. Só se mantém levemente afastado e Michelli, bela e formosa, vai à frente, quase correndo, a me arrastar naquela manhã de um dia que tem tudo pra ser difícil.
Penso que poderia levar o cãozinho para casa. Mas ele tem coleira. Tem dono. E o que eu faria com um cãozinho vira-latas e uma cocker legítima? Viraria uma cachorrada. Lembro-me então de um filme com o Jerry Lewis onde ele trabalha passeando com cachorros. Dou risada sozinha no meio da rua. Michelli tenta entrar na guarita do guarda. Não deixo. E lá vem o cãozinho cada vez mais próximo.
Volto para casa e o cãozinho nos acompanha até o portão. Não tem medo. Quer sua namorada. Penso nas relações humanas.
Alguns homens poderiam ser como cãezinhos vira-latas!
Para o dia nascer feliz...
Fátima Batista
Enviado por Fátima Batista em 08/08/2020
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