A Gravidez
Conseguira o emprego através de uma amiga. Escritório pequeno, dividia a sala com o chefe. Ambientou-se rápido. Tinha facilidade no trato com os colegas. Foi fácil também assimilar o trabalho que, na verdade era muito simples. Porém, percebia os olhares de poucos amigos do chefe. Logo percebeu que ele não tinha a agilidade de pensamento e raciocínio necessários para a função.
Ia tudo muito bem, até que passada a Experiência, ficou grávida. Aí começaram os problemas. Acusaram na de ter entrado grávida. Acusaram-na de ter engravidado no período de Experiência, e para completar, obrigaram-na a fazer um ultrassom para ver o início da gestação, caso contrário seria demitida.
Aguentou estoicamente a pressão, fez o exame e provou que ficara grávida logo após o período de sessenta dias do contrato de experiência. Mas a partir daquele momento, foi como se emburrasse, como se tivesse perdido toda sua vasta experiência em escritórios de contabilidade. Davam-lhe as piores tarefas. O chefe já não lhe cumprimentava. O Diretor da empresa lhe lançava olhares de repugnância. Tinha até medo de ser empurrada nas escadas. Procurava não passar por elas quando algum deles estava por perto.
Veio o período das náuseas, das tonturas, da moleza no corpo e não podia nem sequer pensar em um afastamento – por vezes chegava atrasada por ter se sentido mal logo pela manhã, e a primeira coisa que ouvia era que gravidez não era doença, que fazia corpo mole para não trabalhar. E não podia nem sequer pensar em pedir demissão, pois contava com o mísero salário para pagar o convênio e as roupas para o bebê.
Não satisfeitos com as palavras ásperas, os olhares atravessados, os comentários maldosos, transferiram-na para o atendimento telefônico. Iria para a recepção, mas consideraram que seria péssimo ter uma mulher grávida, com cara de enjoo constante a atender os clientes. Tinha que subir uma escada íngreme, estreita para a sala do telefone, e pior, não havia banheiro, por isso subia e descia aquela escada várias vezes ao dia. Começou a sentir dores nas pernas, os tornozelos inchados e calor, porque na sala não havia ventilação, e corria o verão de 1995.
Próximo ao parto conseguiu uma licença médica, pois não conseguia mais subir as escadas. Jamais recebeu uma ligação da empresa em seu período de convalescença. Não se importaram em saber se o bebê nascera, apesar que o marido ligara para a empresa para avisar - se estava bem ou não. Durante aqueles meses começou a crescer em seu interior a tensão e preocupação com sua volta ao trabalho. Quando finalmente o dia chegou, teve pequenos desmaios, vertigens, suores, dores de cabeça, além da preocupação com o pequeno que deixava aos cuidados da mãe. Voltou ao trabalho. Mais antes não tivesse ido.
Ao chegar na empresa, recebeu de imediato a informação que seu posto de trabalho seria no arquivo morto, onde enormes prateleiras estavam abarrotadas de caixas e mais caixas, contendo documentação fiscal de anos e anos das empresas que o escritório geria. Não havia luz suficiente, não havia ventilação, camadas de pó cobriam moveis e documentos, além de tudo era localizado no porão da construção.
No horário do almoço, em uma época que celular era objeto de luxo, foi até a recepção e pediu para fazer uma ligação, pois precisava falar com a mãe para saber como o filho estava. Foi-lhe negado. Informaram que não poderia fazer ligações particulares nos telefones da empresa. Aquilo foi a gota d’água que faltava. Entrou em contato com o sindicato e relatou todas as torturas morais que sofrera ao longo dos meses de sua gestação, a reclusão ao arquivo morto, local insalubre, e a negativa para uso do telefone para ter notícias do filho recém-nascido.
Foi demitida muito antes do tempo previsto. Saiu da empresa com uma certeza – se quisesse ter defesa para si e para o filho, seria por sua própria conta e risco. Saiu marcada, mas aprendeu a levantar a cabeça e cobrar seus direitos - aprendeu a cobrar respeito, dignidade.
Hoje, com três filhos já criados, gerencia sua própria empresa, e continua na luta para que suas filhas jamais passem por situações idênticas!
Fátima Batista
Enviado por Fátima Batista em 11/02/2021