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O outro lado da moeda
Trabalhava em uma grande empresa de mineração nos confins da Zona Leste paulistana. Vinte e sete anos, bem vestida, embonecada com seus próprios esforços, não mais aprendiz, agora senhora de suas ações, não levava desaforo para casa. Somente quando houvesse interesse. Tinha um grupo de amigos sobre os quais pairava - opiniões refinadas, sempre tendo algo a dizer sobre qualquer assunto – gostava de dizer que  era formada em Cultura Inútil, porque assim um colega dissera certa vez, quando não conseguiu compreender o que ela dissera. E gostava de usar verbetes pouco conhecidos daqueles que não liam – e isso ela fazia bastante! Afinal, tudo que aprendera e apreendera saíra dos livros e de observar o cotidiano!

Mas havia algo que a diferenciava dos demais IUPIs – era a capacidade de se colocar no lugar do outro! Nunca gostara de constranger ninguém. Sofrera muito constrangimento. Sabia a dor que causava, então, quando algo beirava ao constrangimento alheio, dava um jeito de mudar de assunto, sair de cena, enfim, gostava de ganhar na conversa, nunca na vergonha. Mas também nunca tivera uma alma tão complacente assim – tirassem do sério pra ver!

Era final de expediente e saíram para beber – ela, uma amiga e mais três colegas. Isso também era marca registrada. Gostava de conversar com homens – aprendia muito com suas conversas, e não havia concorrência. Saindo do bar caminhando para o carro do único colega com carro, foram falando sobre os colegas do trabalho, e surgiu o nome do Molina – era um rapaz rechonchudo que trabalha com sistemas contábeis. Bonachão, cheio de piadas sem graça, com uma mãozinha que estava sempre disposto a passar nos braços e nas costas das meninas do trabalho. Invariavelmente estava com calças sociais beges, bem largas, uma vez que barrigudo, precisava de números maiores. Os colegas começaram a falar sobre ele, contando suas manias, quando ela disse que não simpatizava com o rapaz!

Ah, mas sabe o que ele fala de você? Perguntou um dos colegas – ele disse que você é arrogante! Metida a besta mesmo! Caminhava à frente dos colegas, sobre seus saltos altos – estancou que quase a atropelaram: Ele disse que sou arrogante? - Disse! Pois vou contar para vocês uma coisa que estou guardando há bastante tempo. Imediatamente os colegas fizeram semi-circulo! Conte!! Sabem quando machuquei o pé? Siiiiim! E fiquei com um curativo enorme? Siiiim! Lógico que eles sabiam! Se ela espirrasse eles saberiam!!! Sabiam tudo sobre ela, ou pensavam que sabiam. E ela permitia esse pensar! Era divertido! Às vezes, constrangedor, mas na grande maioria, divertido.

- Pois bem! Fui até o CPD buscar uma impressão e ele estava lá, batendo papo. Tão logo entrei ele perguntou o que eu fizera no pé, e vocês sabem né, sou teatral! Contei que ao sair de casa, escorreguei na rampa do prédio, uma perna para frente e outra para trás, como num passo de bailarina, e feri o meu pé! Isso foi contado com gestos amplos, com evolução e tudo mais! E sabem o que aconteceu? - Ele riu! Riu de boca fechada, com deboche!! Nisso pulou para fora uma bolota de ranho do nariz, e grudou no bigode. Paralisei! Não falei nada! Ele levou à mão ao bigode e puxou a meleca. Ela esticou, mas não saiu. Então com a outra mão, ele puxou do outro lado! Esticou novamente agora com as duas mãos e a coisa finalmente desgrudou do bigode!!!

A essas alturas o grupo todo ria às gargalhadas. Eles fizeram ela repetir a cena várias vezes! Queriam cada detalhe em detalhes. Com aquele “arrogante” a lhe ferver a cabeça, detalhou, aumentou muitas vezes o tamanho da meleca e a dificuldade em sair. Arrematou informando que o colega por fim, esfregara a meleca na calça.

No dia seguinte, no horário do almoço, encontrou o rapaz no corredor. Cumprimentou e ficou no vazio – ele não respondeu! E ainda olhou para o outro lado! Não entendeu nada! Nem lembrava mais da história da meleca. Só contara por causa do “arrogante”. Foi até o refeitório da empresa, sentou-se com os colegas e começou a almoçar. Até que um deles gritou da ponta da mesa: e aí, viu o Molina hoje? Sim, agora mesmo! Achei estranho. Cumprimentei e ele não respondeu. Eles caíram na gargalhada. Fez cara que não havia entendido. Então eles contaram. Pela manhã, esperaram o rapaz no relógio onde marcavam o ponto todos os dias. Quando ele chegou, ficaram esticando melecas invisíveis às gargalhadas, e a história se espalhou entre escritório e fábrica - A secretária viu o Molina tirar meleca do Bigode! Essa foi a máxima do dia!
E o Molina nunca mais falou com ela! Entre muitos pesos sobre seus ombros, aquele era mais um. Naquele momento prometeu se a si nunca mais criar constrangimento, ou algo parecido à outro. Ao longo da vida viu muitas melecas saindo dos mais diversos narizes, mas nunca mais riu.
Fátima Batista
Enviado por Fátima Batista em 12/02/2021
Alterado em 17/02/2021
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Luiz Gareau
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EDNA LOPES
Realmente ferir os brios, constranger, criticar na ausência, não é boa coisa. Boa reflexão.