50 anos depois...
Em 1972, residia em uma casa de tábuas, em meio a um pomar, cercada de pastos e cafezais. O mais importante naquele dia era se manteríamos os braços ao lado do corpo, ou se cruzávamos na frente ao marchar, acompanhando a cadência da fanfarra, em nosso grupo de meninas, postadas estrategicamente atrás dos rapazes, com os maiores sempre à frente.
Nem sabíamos que passávamos pela época mais sangrenta do regime militar - aliás, nem sabíamos o que era regime militar. Só sabíamos que devíamos entoar o “Já podeis da Pátria filho Ver contente a mãe gentil!”, e depois voltar correndo para casa, roubar mexericas no pomar da casa pintada, mesmo tempo melhores no pomar de casa. E que deveríamos correr dos cachorros das casas ao longo da estrada de terra vermelha.
Nem sabíamos que em outras partes do País havia uma Brasília, onde existia um cara de nome “Garrafazul” que governava com mãos de ferro, e comandava um Exército que prendia e torturava quem ousava dizer o que pensava. Que torturava aqueles que lutavam por liberdade, e que um negócio chamado AI-5 determinava que cidadãos de bem fossem presos sem direito a julgamento. Alliás, o que seria mesmo um julgamento? Segundo a professora era uma coisa que acontecia quando gente má maltratava gente boa. Então, por que será que acontecia exatamente o contrário.
Cinquenta anos depois, nada mudou. Ah sim, o AI-5 não existe mais! Será que não mesmo? Lá em Brasília agora tem um cara chamado “Jegue” que comanda com mãos de ferro (?) um comboio de gado viciado, que prende gente que ainda quer falar o que pensa, que desdenha de mulheres, igualzinho naquele desfile lá na cidadezinha de Santa Mônica, 50 anos antes onde as meninas deviam ficar atrás dos meninos; um cara que é misógino, racista, homofóbico, pretensioso, fanfarrão, arrogante, ridículo, e mais uma porção de adjetivos.
Nada mudou! Só ganhei rugas, quilos a mais, cabelos brancos, e um pouco de conhecimento, o que me leva a entender que “Já podeis da Pátria filho” continua significando que somos sim, nativos de uma país gigante, porém não filhos desta pátria que nos envergonha, que nos restringe, cerceia, que nos faz pequenos diante de um vasto mundo que não nos teme, como dizia a cantiga de D. Pedro I.